segunda-feira, 10 de agosto de 2009

☺ Se der tempo a gente brinca...☺



Nada mais claro pra mim do que a importância do brincar para a criança. Percebo, constantemente, que somos tentados a perceber a criança como um ser que brinca, independente de qualquer situação e diante das mais variadas circunstâncias. Entretanto, alguns diálogos estabelecidos com as crianças no “mercado”, evidenciam que, embora seja um direito da criança, garantido por lei”, o brincar tem sido suprimido da vida de muitas crianças, antecipando a sua adultice, quando substituídos por outras ações que não lhe trazem nenhuma ludicidade.
Sentado em um banco, em meio às frutas e acompanhado de um balde, encontro M., distante aproximadamente uns cinco metros do grupo de crianças que experienciam o teatro. Seu olhar era atento, ao tempo em que triste e com ares de desolação. Balançava o pezinho, além do par de olhos por trás dos óculos.
- Vamos brincar? Foi o meu convite, mas a resposta imediata me mostrou que a realidade do menino não lhe deixava ceder aos encantos da brincadeira.
- Eu venho na outra sexta. Hoje eu tenho muita coisa pra fazer. Foi a resposta.
- Que coisas? Quis saber.
- Eu tenho que encher um tambor para o meu pai.
- É este aí? Perguntei apontado para o balde que o acompanhava.
- Não... O tambor dá uns vinte desse. É bem grandão! Disse arqueando as sobrancelhas.
- Você vai enchê-lo de quê? Indaguei mesmo que sem ação.
- De coisa podre! Disse rapidinho.
Percebi que no balde já havia um abacaxi estragado.
- Vocês não vêm amanhã? Só tão aqui na sexta?
- Só, nas sextas-feiras estamos aqui.
- Venha amanhã... Por que vocês não vêm amanhã que eu brinco com vocês? Se der tempo a gente brinca...
Foi um pedido em tom de apelo que não tinha como não mexer na emoção de quem concebe o brincar como algo tão importante como o próprio respirar. No entanto, não podia lhe prometer isso, apesar da tentação, mas antes que eu falasse qualquer coisa, ele me dirigiu outra pergunta:
- Vocês vão tá noutro lugar, né?
Sim, foi o que respondi, muito embora, naquele sábado, durante uma parte de tempo, não conseguia estar em outro lugar anão ser a não ser nas lembranças do dia anterior, no mercado.
A brincadeira foi transcorrendo e, em busca ativa, minha colega encontra M., sentado ao lado do enorme tambor citado e com o balde em mãos. Reforça o convite à brincadeira e obtém a mesma resposta. Porém ao retornar ao grupo, em poucos minutos percebe que o garoto não resistiu e a acompanhou para brincar. Suas ações, divididas entre a alegria e a pressa, deixavam escapar seu medo. Parecia estar fazendo algo errado. Mesmo assim, ainda trabalhou um pouco OS SENTIMENTOS, proposta da oficina de teatro para aquele dia e, ao ser solicitado, constrói a frase: “Eu sou um velho”.
Um menino com responsabilidade de velho? Teria sido esta a mensagem? Apressava-se em se apresentar:
- Vamos tia, senão não dá tempo... Meu pai vem já me buscar!
Mas parecia tarde demais. O ávido olhar foi, aos poucos sendo invadido, de modo transparente pelo medo. E eis que, a passos largos e impiedosos, se aproxima um senhor de aparentemente quarenta e poucos anos e, sem que dissesse nada, pelo menos com palavras, suscita a defesa de M.:
- Eu vim brincar... Eles me chamaram...
Talvez essas palavras tenham acentuado a fúria daquele homem que lhe belisca, com força, o peito e retruca:
- Com tanta coisa pra fazer e você brincando! Só quer saber de brincar, né? Eu não quero você brincando, já disse!
E a criança segue, agora também com passos largos e seu inseparável balde na mão. Em todo o corpo, a tristeza misturada ao desejo de brincar.
Segue M., o velho a encher tambor e fica-nos a imagem da criança e o eco de sua fala:
- “Se der tempo, a gente brinca!”


Joana Esmeraldo

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